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20 de Abril de 2024

Operação Lava Jato: muito obrigado, por favor ou nada mais que a obrigação?

A inversão de valores em um país onde a obrigação virou favor.

há 5 anos

Esse final de semana tive a grande satisfação de estar com minha namorada. Moramos em cidades distintas, mas como sou um amante das praias e ela vai bastante ao Rio de Janeiro foi inevitável uma de nossas conversas enveredar para esse caminho.

Eu sempre desejei uma praia logo pela manhã para dar um mergulho antes de ir trabalhar. Porém, como sou paulista, sempre me perguntei como isso seria possível com a violência que assola o país.

No entanto, ela explicou que no Rio as pessoas se ajudam, tanto antes quanto depois do trabalho. Basta o banhista deixar as coisas para alguém "tomar conta", nada muito diferente do que vivemos em nas praias de São Paulo.

Contudo, enquanto conversava lembrei de uma viagem que fiz à Sydney, Austrália. No primeiro dia fui à praia e fiz o mesmo que aqui: pedi para um local cuidar das minhas coisas enquanto me banhava, mas ele se recusou. Pedi, então, para um segundo local, que estranhou e também se recusou. Já sem esperanças pedi para uma terceira pessoa e ela também se recusou, mas disse firmemente para eu colocar minhas coisas na praia, me banhar e retornar. Com muito receio assim procedi e, ao retornar, apenas tive o trabalho de pegar minhas coisas e seguir meu destino.

Ainda em meio àquela conversa, perdido nos azuis daqueles olhos que lembravam a cor do mar, também lembrei de um artigo que havia lido há pouco, escrito por Luiz Flávio Borges D´Urso: “indesejável marketing na justiça". O artigo criticava a determinação para a inclusão de placas nos pedágios da empresa Rodonorte com o seguinte texto: ''O valor do pedágio foi reduzido em 30% porque recursos provenientes de corrupção foram recuperados pela Operação Lava Jato e aplicados em benefício do usuário". https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/701835749/o-indesejavel-marketing-na-justiça

Mas o que o artigo e a conversa tem em comum? A cultura da"obrigação é favor". Infelizmente, em nosso país, aprendemos que o"mínimo é o máximo"e que a"obrigação é favor".

No primeiro caso estávamos conversando e percebi que quase nos orgulhávamos da saída encontrada pelos brasileiros para que pudessem aproveitar a praia. Porém, isso não é motivo de orgulho. Imaginar a necessidade de alguém"cuidar do que é seu"para poder usufruir da benesse praiana é descobrir o quão falha é a segurança proporcionada pelo estado.

No segundo caso, vejo o quão orgulhoso o Brasil, através dos órgãos competentes, inclusive o Poder Judiciário, se mostra da operação"Lava Jato". Porém, muitas perguntas não foram respondidas: por que foi necessário um rombo financeiro para que alguma providência fosse tomada? por qual motivo todos os órgãos públicos demoraram tanto para enxergar e tomar providências contra uma série de"estupros sociais"que estavam sendo realizados há décadas contra o povo e outros tantos que ainda são praticados no país?

Tanto a demora para uma solução no caso da operação"Lava Jato"que, convenhamos, está longe, bem longe, de ser a solução da corrupção quanto a necessidade de alguém"tomar conta"dos bens de outrem para que desfrute minutos de praia parece motivo de orgulho nacional, mas, na verdade, ambos são motivos de chacota ou pena, em países civilizados e onde as instituições funcionam.

Contudo, o pior não está aí. O agravante disso tudo é que no Brasil fica a impressão de que a operação"Lava Jato"foi um favor aos cidadãos e não mera obrigação cumprida por aqueles que recebem do meu, do seu e de todo o povo brasileiro, seus"salários".

Outro agravante está na tentativa de fazer o usuário que passa por aqueles pedágios"engolir"que o"desconto"com a diminuição do preço será mesmo um desconto. Que desconto? O meu, o seu, o nosso dinheiro ainda não teve parcela mínima recuperada daquilo que foi desviado e o estado, através das instituições que tem a obrigação de investigar, punir e recuperar o que foi desviado, quer chamar aqueles 30% de “desconto”?

Foi então que percebi o quanto estamos distantes de uma evolução de mentalidade. Se as instituições estatais obrigadas a investigar, fiscalizar, recuperar o dinheiro e punir se colocam em uma posição a ponto de determinar a publicidade de que o trabalho por elas realizadas, previstos em lei e na Constituição Federal, concedeu, após desvios de bilhões dos brasileiros, desconto de 30% em um pedágio nacional, o que mais esperar? Realmente parece que nos foi feito um favor e não o mero cumprimento de obrigação.

É com muito pesar que encerro esse artigo, triste e muito decepcionado com o que ainda temos que presenciar em nosso país. Realmente ainda temos que lutar muito contra essa inversão de valores, caso contrário teremos, nós do povo brasileiro, que continuar, por muito tempo, pedindo"favores", como segurança nas praias, retidão na política, fiscalização e cumprimento dos deveres por aqueles que são pagos por nós, agilidade em processos, punição efetiva, recuperação do dinheiro desviado, e tantos e tantos outros"favores" ao país.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/operacao-lava-jato-muito-obrigado-por-favor-ou-nada-mais-que-a-obrigacao/702257542

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